Anistia para quem precisa: o combinado não pode sair caro

por Adriana Vasconcelos

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Uma nova anistia partidária surgiu no horizonte para beneficiar novamente os partidos políticos que não cumpriram a determinação da Constituição Federal, que define que a quantia de recursos públicos destinada ao financiamento das campanhas eleitorais femininas, deverá ser no mínimo 30% ou proporcional ao número de candidatas à deputada. O perdão também abarcaria o valor que deixou de ser aplicado nas candidaturas negras, considerando homens e mulheres.

Trata-se da proposta de emenda constitucional (PEC) apresentada pelo Deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), que pretende estender para a eleição de 2022 a anistia aprovada no ano passado, que já havia perdoado os partidos que não cumpriram a mesma determinação. A regra existe desde a eleição de 2018 e nunca foi efetivamente aplicada.

Além da PEC ser inconstitucional, a aprovação do texto consolidará a revitimização das mulheres e negros que saíram endividados da disputa eleitoral do ano passado, após registrarem suas candidaturas acreditando na palavra dos dirigentes partidários a respeito de valores que seriam repassados para garantir uma campanha eleitoral minimamente viável.

“O combinado não sai caro” diz a sabedoria popular. A lei civil diz que o acordo verbal faz lei entre as partes. “A palavra é de ouro”. Muitas pessoas ainda acreditam e praticam a honestidade. E são exatamente essas, que se colocaram a serviço da representatividade e autenticidade democrática, que estão atualmente endividadas.

Não se faz campanha sem gastar dinheiro, e o que foi prometido não chegou na conta bancária eleitoral. Na prática, vimos dirigentes nacionais não cumprindo os combinados com os estaduais. Ou ainda os dirigentes de todas as hierarquias não cumprindo com a palavra perante as candidaturas. Ao que tudo indica, presenciamos verdadeiros estelionatos eleitorais.

Em um Congresso Nacional ainda majoritariamente masculino e branco, o que também prevalece entre os dirigentes partidários, a prorrogação da nova anistia tende a ser bem recebida. Por essa razão, é urgente a união das bancadas femininas da Câmara e do Senado nesse debate. É preciso que a sociedade civil organizada e desorganizada se una para fazer do limão uma limonada.

Quero Você Eleita, um laboratório de inovação política, está disposto a liderar um movimento frente ao Congresso Nacional e convida quem estiver lendo esse artigo para participar. Ao invés de anistiar os partidos, precisamos promover uma reconciliação: a nossa proposta é recompensar as candidaturas de mulheres e negros para promover a quitação de suas dívidas eleitorais. Aqui se faz, aqui se paga. Não podemos deixar que essas pessoas ainda tenham que suportar ver o seu nome sujo na praça, saindo desestimuladas a participar do que deveria ser uma festa democrática bancada com os nossos impostos.

A anistia é inconstitucional, mas ainda assim queremos negociar. Estamos propondo que os recursos que deixaram de ser aplicados na última eleição sejam destinados a compor um fundo público transitório para ressarcir prioritariamente os prejuízos dessas candidaturas, que foram induzidas a erro por seus dirigentes. Precisamos garantir o direito dos fornecedores e prestadores de serviço, que também estão sendo penalizados, pois a maioria vai acabar ficando com esse prejuízo.

Se ainda assim houver sobra financeira, esse dinheiro deverá ser destinado a expandir os espaços das lideranças femininas e negras de todos os partidos, dando acesso personalizado à inteligência emocional, marketing, ferramentas de negociação, comunicação positiva e não violenta, gestão de imagem pessoal, autoconsciência, autossustentabilidade, técnicas de contação de histórias, gestão de comunidades, e recursos humanos. Tudo que compõe o futuro da política ou a política que queremos ver no futuro. A construção de uma candidatura competitiva já começou faz tempo.

Candidaturas fictícias, desvio de recursos de mulheres e negros, violência política de gênero, tudo isso só será combatido com ações concretas e eficientes. Saímos de 15% para 18% de deputadas federais na Câmara, um progresso inexpressivo, mantido por uma estrutura que viemos aqui para romper. Enquanto não levarmos a sério a necessidade de eleger mulheres e negros neste país, não alcançaremos a diversidade da sociedade brasileira. Não há democracia sem autenticidade.

*** Esse artigo foi escrito em parceria com a advogada e cientista política, Gabriela Rollemberg, cofundadora da Quero Você Eleita, da qual sou consultora.